quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

Bootcamp Disney










Cada um de nós.
Alambique, onde se destilam vivências, mares de sentimentos, num produto final sempre diferente e surpreendente; impossível de agradar ao gosto de todos.

E assim num dia de licença, num restaurante civil, mesmo antes da refeição, é a vez de alguns temperamentos entrarem em massa crítica, tal reactor nuclear, ferido de morte.

Numa fugaz troca de palavras, o nosso co-piloto levanta-se em direcção ao artilheiro de bombordo e….perde as estribeiras. Nem sei porquê – Só tenho tempo de o conseguir imobilizar, e já no chão, desperta em consciência, muito perturbado.

Temos agora uma plateia no restaurante, onde reconhecemos diversas caras de pessoal lá da base – E algumas de patentes muito superiores à nossa, não comentando nada connosco.

-Epá…vamos ver no que isto ainda vai dar…penso para mim em silêncio…

Naturalmente, não tardou muito.

Passados dois dias, já no gabinete do Sr. Comandante de Esquadra, aí está o resultado.

- Inqualificável !! Andarem a pancadaria ainda por cima no meio de civis!! – O que vão pensar dos militares que deveriam ser a sua referência?? Um bando de rufias sem lei??

-Pois isto não fica assim. Já não basta os Alemães, ainda têm que ser vocês a dar-me ainda mais que fazer!!

- Se não sabem comportar-se, estão de regresso ao curso, começando pela recruta. E igualmente sujeitos a classificação no final, individual e como tripulação. E podem sair.

É rápida a chegada até ao “Bootcamp Disney” – Reconhecida assim a recruta por todos aqueles que por lá passaram.

Em viagem ainda, paramos um dia por La Rochelle, acolhedora e bela, longe da guerra, permite uma descontracção que há muito não vivíamos. 

Chegamos de noite ao “Bootcamp Disney” ; o pessoal de serviço à unidade estranha as nossas credenciais, e informa-nos da localização da messe, WC’s e afins.

Vindo das casas de banho, o co-piloto comenta comigo:  - Viste aqueles artistas de camuflado e tudo..devem fazer parte das atracções ? Não?

- Epá…a malta que viste é tropa regular…que está aqui proteger as instalações de possíveis ameaças terroristas…não é “faz de conta”…informo.

Mesmo aqui??  Afirma com um ar incrédulo….

- Bem, amanhã começamos o “treino básico”….

- Vá que o Sr. Comandante lembrou-se disto…. Comento com o resto da tripulação, podíamos todos apanhar uns dias de “prisa”…

Mochila às costas (pesada que nem um burro) com água, rações, e mapas na mão. Vamos a isto.

As atracções (assim baptizadas pelos recrutas, as diversas provas que têm que ser efectuadas, num limite de tempo, caso contrário é se sujeito a uma penalização) são muitas e variadas, com longas filas de espera, dadas as características desta base, dedicada à formação de todos os militares aliados.

O “Small Word” e os “Piratas das Caraíbas” estão em remodelação para tristeza da tripulação – Eram fixes de fazer e não chateavam….Comentam…

Começa-se pela “Hollywood Tower” – Que não conhecíamos… sentado com a mochila debaixo das pernas, de repente sinto a pesada mochila a fazer força como se quisesse voar…simula um vertiginoso poço de ar…o meu co-piloto não se dá nada bem com este tipo de coisas…e não quero que tenha um “blackout” com sérias consequências…mas tudo corre bem.

E aí vamos de uma “atracção para outra” sempre em passo rápido…na “casa do terror”  (nossa favorita,  uma enorme mansão de aspecto tranquilo)  acabamos por ficar presos lá dentro…a tempo de ensaiar o tema “Ghostbusters” com recrutas Franceses na mesma situação que nós.

O planeamento das “atracções” a visitar, sempre munidos do mapa, é fundamental – Caso contrário arrisca-se a passar um dia e fazer duas ou três “atracções” – As messes fazem filas intermináveis e pergunto-me se a ideia aqui não é queimar o máximo de tempo aos recrutas de modo a que tenham que ficar mais tempo de modo a fazerem as “atracções”, reflectindo-se depois na sua classificação final.

Lá vamos progredindo de forma satisfatória, até que chegamos à fila de espera para a “Montanha do Nemo”… deve coisa fácil- penso…mas depois de apanhar com uma dose de fumo dos ditos “cigarros electrónicos” com um odor intenso, fico meio estranho…

A montanha do Nemo…é na realidade uma “violenta cordilheira” onde se experiencia subidas e descidas de elevada força “g” - Nada do que estava à espera, mais ainda potenciado pelo efeito do odor do “cigarro electrónico” com que apanhei...

Quando chegamos ao fim, o artilheiro que me acompanha só têm tempo de gritar… “meu Tenente!!” o Capitão está a sentir-se mal !!

Com dificuldade, consigo sair dali, e na saída da atracção, o estomago insistiu numa limpeza rápida do seu conteúdo para cima do jardim… já sentado a tentar recuperar forças, um membro de uma tripulação Espanhola, oferece a sua ajuda, uma atenção que não esqueço.

Puxa…a montanha do Nemo deu cabo do Sr. Capitão…toda a tripulação graceja decerto…penso, enquanto retomo forças antes de regressar ao “Bootcamp Disney”.

- Não se preocupem…asseguro-lhes ao final da noite…amanhã volto à montanha do Nemo…

Novo dia, e logo pelo início da manhã chove copiosamente, numerosos de recrutas fogem da chuva inclemente, tentando descortinar como efectuar as “atracções” poupando-se à chuva e vento; não deixa de ser curioso que os recrutas Árabes tendem a juntar-se no “mundo do Aladino” enquanto os vindos dos Estados Unidos, procuram as arcadas da “Main Street” assim, cada qual tenta-se refugiar-se no que têm mais parecido “com a sua casa”.

Curiosamente, uma “Pin-up” aparece do nada, para uma breve sessão de autógrafos, numa bem pensada acção motivacional para os recrutas, por parte do comando.

Os nossos artilheiros imploram-nos em conseguir uma foto e um autógrafo junto à “princesa”….E numerosos recrutas estão por lá, em fila á espera da sua vez…

Em amena cavaqueira com uma Tenente Dinamarquesa, um dos assistentes da “pin-up” vêm informar que a secção de autógrafos vai ser interrompida….

- Are you fucking kidding me??  Responde a Tenente, que vai dos 0 aos 200km/h em menos de 4 segundos…  - I’ve been waiting here for more than one hour and a half !!

- É apenas uma pausa de 15 minutos - Informa o assistente …a “princesa” Will be back !!, e a Tenente Dinamarquesa “desacelera” da mesma forma que acelerou, e continuamos em amena conversa…

Chegados à camarata, no final do dia, o nosso Tenente têm um pé feito num bolo, devido à sua insistência no calçado, que agora lhe cobra a conta…

Na manhã seguinte, quando chega a hora de se calçar, muda de cor, ficando tal pimento vermelho, soltando um grito à medida que “convence” o pé em mau estado a entrar no sapato… - Está tudo bem, vamos é embora!! Afirma.

Segue-se o regresso à “montanha do Nemo” seguida da “montanha do Indiana Jones”  e da “Space Mountain”  sem que me perturbar minimamente.

Um tripulante Francês, na espera para a “Space Mountain” confessa que na primeira tentativa em vencer a atracção…acabou por ter que mudar de fardamento…pois a bexiga não aguentou…

Mas é espectacular. Gostei imenso. Transporta-nos de forma a vislumbrar todo o nosso sistema solar, como se viajássemos numa nave.

O cansaço não dá tréguas aos recrutas, e fica-me a imagem na mente, de uma mãe, no limite da resistência física, que adormece sentada agarrada ao carrinho do seu bebé.

Vencer o campo – Ou o campo vence-te a ti. Não há meio termo. É assim.

Jantamos na messe, apelidada de “Mac Donalds”, verdadeira recriação do inferno de Dante na terra, com elevado detalhe.

É claro que no meio de tantos milhares de recrutas, muitos de tenra idade, ainda há forma de apanhar um vírus gastrointestinal de forma fácil, como o nosso artilheiro de bombordo experienciou, já no último dia do “Bootcamp Disney”

Num caixote de lixo a cabeça de um recruta desaparece, enquanto outro lhe ampara as costas, perguntamos se está tudo bem… - No Problem !! Just feeling  a bit sick!!

Muita caminhada, montanhas russas (vou-lhes chamar assim) esperas morosas para entrar para as “atracções” mais chuva e vento…. Tá feito e valeu a pena !!

Terminado o “Bootcamp Disney” recebemos ordens de rumar a norte – Em direcção às praias da Bretanha, que os Alemães transformaram em verdadeiras fortalezas.

Não esperávamos fogo antiaéreo. Nada Mais errado. À entrada do parque de campismo um aviso adverte-nos que estamos numa zona sujeita a inundações…a noite cai e a chuva numa intensidade crescente, atinge a B-17 de tal forma que o nosso co-piloto, solta um “raro” desabafo –  Uma fritadeira…estamos dentro de uma fritadeira….À medida que os estilhaços do fogo antiaéreo batem sem trégua contra a fuselagem.

Passa-me aí uma lanterna…digo em tom baixo – Enquanto penso na minha responsabilidade para com toda a tripulação.

- Sr. Capitão…não é melhor recolher a antena…?? É que com relâmpagos destes…não tarde muito e estamos todos a brilhar no escuro – pergunta o artilheiro de estibordo, com uma capacidade de discernimento que muito me surpreendeu pela positiva.

Manhã seguinte, e a B-17 não tinha virado hidroavião…seguimos o mapa, fazemos uma passagem rasante a uma pequena ponte “grande” pela sua importância histórica  – de seu nome “Pegasus Bridge”

Um grupo de combatentes veteranos, entra, como nós, numa loja de souvenirs junto à “Pegasus Bridge”  - Olham com total estranheza,  as t-shirts, os canivetes, as canetas, os posters e tudo aquilo “made in china” se vende aos visitantes.

Passaram ali momentos difíceis, viram camaradas seus morrer a seu lado, fizeram a diferença na história da humanidade, e vêem assim esse lugar transformado em algo que nunca pensaram vir a ser possível.

Em Saint Mère Eglise – Somos bem recebidos pelos locais; transmitem-nos tristeza, que compreendemos perfeitamente, por ver parte da sua bela vila descaracterizada por diversos parques de estacionamento que agora florescem por todo o lado.

Um civil, já de idade avançada, chama-me, e com surpresa minha, em tom de narrativa, conta-me o que sucedeu nas primeiras horas do chamado “dia mais longo”, que a sua mãe testemunhou, em primeira mão, em Saint Mère Eglise; pouco ou nada a ver com o que a história relata. 

Breve visita às praias da Normandia, onde a cultura das ostras e mexilhões ocupa longas faixas da costa para surpresa de todos nós, que aproveitamos para um longo e retemperador passeio.

Encontramos uma bateria de costa Alemã, posta fora de combate, os artilheiros parecem conhecer com detalhe estas fortificações, apesar de nunca cá terem estado…como é que vocês conhecem isto assim em detalhe ?? Pergunto.

- É do “Medal of Honor” Sr. Capitão….Referindo-se aos jogos que ocupam os seus tempos livres..”tempos modernos”…penso para mim…

Por um mero detalhe logístico, os artilheiros não conseguem  concretizar oportunidade de experimentarem conduzir um carro de combate…e eu fiquei com os olhos numa oportunidade de uma “boleia” de um biplano sobre a Normandia…

De um radioso sol para chuva intensa, assim é o clima junto ao canal da mancha… muito variável e de forma muito rápida, mesmo assim quando recebemos indicação de voltar à base…eu e o co-piloto não temos vontade nenhuma de sair dali.

De regresso, e a caminho de La Rochelle, por pouco não apanhamos um tornado, o qual deixou um rasto de destruição em algumas aldeias que passamos.

- O clima…não é para brincadeiras…esta história do aquecimento global…já o presidente dos EUA diz que é um risco sério…e aqui estão os efeitos.  

No dia seguinte, estamos em Biarritz – Mas agora encontrar um “spot” onde parar a B-17, não é fácil, e na manhã seguinte é a “longa” travessia de Espanha.

 Os controlos fronteiriços já estão de volta, e com a crescente ameaça de uma guerra agora de nome terrorista, em que já nem a cidade do amor escapa.

Como há 70 anos.

Quando o terror nazi tentou sem sucesso impor uma ideologia. Como agora sucede novamente.

Com verdadeiro empenho e determinação, jamais o terror, o medo e a opressão vencerão no futuro.  

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