domingo, 23 de agosto de 2015

Ground idling













Final de uma rotineira tarde chuvosa; recém-chegado à messe para o jantar, encontro o nosso co-piloto “em negociações “com o pessoal da cozinha, procurando na rigidez no menu de frango “imposto”, uma asa ou perna, mais do seu agrado.

Sem aviso, somos atirados ao ar, agarrados por uma mão invisível que nos solta de uma altura apreciável em direcção ao chão.

Nos ouvidos fica um silvo, que não deixa ouvir mais nada, levanto-me do chão com alguma dificuldade, a messe está completamente de pantanas, tudo virado do avesso.

 Uma explosão de gás na cozinha da messe??

Procuro o co-piloto pelo meio dos escombros. Ainda meio atordoado da explosão, levanta-se cambaleante enquanto se interroga em voz alta – O que raio foi isto?

Não passam mais do que cerca de dois minutos (confesso que a minha noção de tempo não estava no seu melhor) e um gigantesco estrondo faz agora tremer o chão.

Conseguimos sair da messe – para quase cair dentro de uma cratera enorme que não existia ali anteriormente.

Estranhamente, não se ouviu qualquer alerta de ataque aéreo.

O Jeep ainda está inteiro. Eu e co-piloto saltamos lá para dentro. 

A adrenalina está agora no máximo.

Intermitentes, as explosões sucedem-se com estrondos de maior ou menor intensidade, conforme a distância a que ocorrem.

Uma das camaratas dos artilheiros foi atingida, dirigimo-nos para lá a toda a velocidade, quase capotando o Willys de modo a evitar uma cratera no meio da estrada, por entre escombros, já no interior da camarata, descobrimos um dos nossos artilheiros, ainda consciente, apesar de sangrar profusamente.

O co-piloto quase desmaia perante o nosso artilheiro de estibordo. 

Conseguimos tira-lo dali e já no Willys vamos direitos à enfermaria, onde lá conseguimos alguma atenção do médico, que,  “não tinha mãos a medir” perante a quantidade de feridos,  que entravam pela porta da enfermaria , nas mais diversas condições, e  que perante a nossa angustia, comenta – “safa-se, não há crise”.

- Deixa estar…diz o co-piloto…os alemães vão pagar com juros o que fizeram…

Acabei por ficar também na enfermaria - um pequeno corte, mas que teve que levar meia dúzia de pontos, nada em comparação com o sofreu o nosso artilheiro de estibordo.

Incólume, a nossa B-17 repousa no hangar, em contraste com a amálgama de peças em chamas espalhadas por todo o lado, de outras fortalezas apanhadas desprevenidas nos seus hangares, reduzidos agora a escombros.

V-2…quem diria…lembram-se de atacar a nossa base com V-2…devemos estar mesmo a dar-lhes onde lhes faz mossa… comento com o nosso artilheiro estibordo, já na companhia também do nosso navegador, igualmente na enfermaria, com um ferimento numa mão que o faz passar um mau bocado.




É claro que pouco tempo depois, é tempo de um grande “raid” em território inimigo, com as B-17 que sobraram e onde se incluía a nossa.

Todos temos alta, por parte do médico, o que até estranhamos, estando o artilheiro com a ferida ainda bem aberta, e eu ainda com os pontos a “morder” perante um movimento mais brusco que tento fazer.

Bem, isto com os médicos da tropa, …é.. toca a andar…nada de lamechices.

Um dos artilheiros tira uma foto de uma V-2, que caiu perto da base, numa via-férrea, sem explodir, a nossa sorte é que a pontaria destas armas não é grande coisa… e deixei eu de fumar para apanhar com um “charuto” destes na tola!! Era só o que me faltava !! - comenta o co-piloto.

O nosso co-piloto clama por uma missão longa – quer a desforra do que aconteceu, vou lembrando-lhe que não é boa ideia irmos em missão neste estado – tudo se pode complicar com um “pequeno” nada.

- Devemos esperar até que estejamos todos em condições.

Passam-se alguns dias até ao “raid” em território inimigo. Mas não constamos da lista que deverá partir em direcção à  alvos na Alemanha.

Indignado, o co-piloto atreve-se a pedir uma justificação para o sucedido ao comandante de esquadra.

“- Estão designados para uma missão de apoio de vigilância da linha de costa” – responde enfaticamente, continuando, “a qual cumprirão conforme foi designado.”

O co-piloto tenta ainda ensaiar um “mas…” cortado subitamente por um “ - Boa tarde, decerto compreendem que a nossa base está numa situação complicada, tenho muito para resolver”. Do Sr. Comandante.

E assim levantamos voo, de um piso que mais parece uma pista de TT, agora que as crateras que as V-2 abriram na pista, encontram-se cheias de terra ,de modo a permitir a utilização, ainda que precária da pista.

 Apesar de tudo, voar é sempre voar. Acompanhando a linha de costa, é um voo tranquilo, “-    não sabe a nada”, afirma o co-piloto. Para mim não é assim.

 Tranquilidade…uma gritaria enorme vem da parte traseira da fuselagem. Um ataque de pânico…do nosso recém-chegado artilheiro da “ball turret”, que por pouco não saltou fora da B-17, ainda fui a tempo de o agarrar-  e abraço-o com força; se insistir no salto, vamos os dois.

Entretanto a tripulação alcança-nos, puxando-nos decididamente para dentro, e ainda em pânico, o artilheiro leva de forma quase instantânea, uma “coça” dos restantes membros da tripulação, perante tal tresloucado acto; acabo por regressar à enfermaria, agora um polegar que ganhou o dobro do seu tamanho depois de toda a minha aflição em segurar o jovem artilheiro.

- Não volta a voar connosco – Afirmo de forma inequívoca  ao co-piloto.

-Epá…têm calma…se fazes isso ao puto…tá tramado…esse pessoal vai todo para terra…para o armamento e assim…já viste o qual vai ser o destino deste miúdo a montar detonadores em bombas?...Pois…afirma o co-piloto em tom de desculpa, e continua:

Esta cena do ataque das V-2 à base foi muito marada…sabes do melhor? Agora não consigo dormir depois daquilo. Nada. Podem dar 5 da manhã é como se fosse meio-dia. E depois ando a cair de sono durante o dia -Uma treta, afirma o co-piloto.

Não te esqueças que os artilheiros estavam todos na galhofa na camarata quando aquilo foi tudo pelo ar, o puto da “ball turret” nunca tinha visto sangue, e deu-lhe  depois, para aquela macacada de quer saltar em pleno voo, vais ver que perdeu a vontade.

- Mas à pala de um “número” destes pode arranjar um grave sarilho para todos nós; – Imagina um número destes sobre um alvo, com caças inimigos por todos os lados …ainda acaba com a gente todos…

-Tu és quem manda…mas as coisas não são assim tão “preto ou branco” contrapõe o co-piloto.

Mesmo a tranquila missão, relembra sempre que a guerra é uma constante, já no regresso, a brutalidade do conflito ainda vai a tempo de me dar mais uma chapada na cara, quando ao ver uma mancha branca no meio de um pequeno bosque, baixo de altitude, quase para a altura da copa das árvores numa manobra que nem os artilheiros se aperceberam, para deparar com um corpo suspenso num para-quedas. Comunico a posição, nada a mais havia a fazer, infelizmente.

A B-17 volta às surtidas, nas mãos de outras tripulações, o que nada agrada ao co-piloto, que não perde a ocasião de uma saída da B-17 para ir “picar os miolos” das tripulações substitutas, de forma intensa.

Xii….mas o que é isto??..”Assim nem voo conseguem levantar”….”Não se esqueçam que as “bombinhas”  é para largar na Alemanha e não aqui”… “vejam lá se trazem a menina inteira…que a gente quer ir dar uma voltinha com ela”…perante o olhar enfadado das tripulações prestes a embarcar.

A proximidade da missão agora “já cheira” para nós,  e num dos poucos hangares sobreviventes ao ataque, é altura da “esgrima” de argumentos entre o co-piloto e o chefe da manutenção, desta vez por causa dos pneus da B-17…

Sabendo de uma surtida que ia ter lugar e de modo a dar um “picadinho” nos miolos da tripulação novata, convence-nos, a meter-nos no Willys, directos ao hangar. Paramos brevemente no bar de praças para um copo com uma das tripulações, prestes a sair em missão.

É verdade que vocês já viram um daqueles aviões dos Alemães que não têm hélice?? Perguntam-nos curiosos, como se de uma aventura se tratasse…

Ouvimos um passar…de noite, e bem pertinho….a B-17 abanou como se fosse de papel –  nem deu tempo aos artilheiros de se agarrarem as metralhadoras…passou sem embirrar, foi a nossa sorte, - informo, sem todo aquele entusiasmo da pergunta que me fizeram, enquanto os nos seus rostos o entusiasmo passa a para uma expressão séria, de preocupação.

"- Estes pneus são mais perigosos que a Luftwaffe inteira"…diz o chefe da manutenção entre dentes…ainda se tramam à pala disto…vai ficar inscrito no registo de manutenção da aeronave…vocês querem voar…depois há treta e ainda dizem que a culpa é nossa…

De ouvido afiado, o co-piloto não deixa passar em branco. De uma volatilidade crescente de dia para dia, mesmo com o comandante da base que por acaso se encontrava presente para a partida da nova tripulação – Explode, com o chefe da manutenção.

 “- Estes pneus estão mais perigosos que a Luftwaffe”?? – Você sabe lá o que é isso!! Já viu um ME-109 a cantar-lhe com os seus canhões, e você sentado de frente para uma beleza dessas? Com tudo a voar em 1000 pedaços a sua volta??

Chama o comandante aparte, mas dentro do hangar todos ouvem com se estivessem ao lado dele.

Se estes gajos fizessem o trabalho deles em condições e se deixassem de tretas !! era bem melhor!! – E por aí afora….até que no dia seguinte até acabou por pedir desculpas ao Sr. Comandante..

Lá conseguimos “conter” a “explosão” do nosso co-piloto – O artilheiro de estibordo, ainda a recuperar dos ferimentos do ataque inimigo, não deixou de me confessar - “ Sr. Capitão…o nosso tenente quando explode com alguma coisa, é sempre de uma forma cada vez maior…se temos alguma “chatice” no voo…logo veremos…no que vai dar…

Agora milhares de refugiados de guerra percorrem França à procura de um futuro, em direcção aos países ricos do norte, apesar de não se tratar mais do que um mito, uma quimera, um objectivo para quem nada mais têm, sacrificando até a sua vida, na tentativa de deixar para trás toda a destruição e miséria que têm sofrido, em direcção a um futuro de esperança e oportunidades para si e para as suas famílias.

Quem toma efectiva consciência da realidade, fica apreensivo. Ou então bate com a porta do camarote na cara do tripulante de bordo, clamando –“impossível!! - O navio é inafundável!” quando é avisado pelo tripulante de bordo, da iminência do afundamento da navio.  

As missões caracterizaram-se pela sua singularidade; nunca há uma rotina, um “foi como da outra vez”  agora com mais variáveis, o desafio aumenta, paralelamente à preocupação.


Valha-nos a vontade.
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