Chove. Nem sequer abranda.
Em direcção a um dos edifícios de logística
da nossa base, com a capota do Willys a acusar o peso da enorme bátega de água,
um dos artilheiros, confidencia-me:
- Sabe, Sr. Capitão não tenho “fé”
nenhuma nesta próxima missão. (numa breve frase de tom pesado, expressando
cansaço)- É o nosso trabalho nesta guerra – Afirmo, mas também pela forma como me expresso, o jovem artilheiro facilmente percebe que a motivação é a mesma da dele.
O nosso co-piloto parece ser o único que vibra com a perspectiva da surtida. Nada aplicado nos seus deveres, enquanto em terra, na base, com o anúncio da missão tudo aparece feito com um brio e energia nunca vistas.
O que desalenta mais ainda toda a restante tripulação – Sem frases, vê-se bem nos olhares que trocam.
Não gosto de voar assim – penso para
mim, mas não o confidencio a ninguém.
A bordo ganhámos o último membro em
falta na B-17. O artilheiro da “Ball turret” – ou seja da esfera onde duas
metralhadoras gémeas de .50 dão a protecção a todo o ventre da B-17.
É uma posição perigosíssima. Preferia
não ter que voar com ninguém na esfera, todos conhecem muitos casos com desfechos terríveis,
onde B-17 ficaram sem trem de aterragem e foram forçadas a pousar com os artilheiros
neste local, presos, sem que os mesmos se conseguissem libertar deste posto. Além do mais é o uníco local que nem sequer permite que o seu operador tenha o para-quedas colocado.
Não quero pensar nisso.
É muito jovem este novo membro da
tripulação – Magro e ágil como se requer para a infame “esfera”. Cheio de
energia e motivação. Não quero pensar nisso.
Em voo, chamo-o ao Cockpit. Perante a incredulidade e olhar crítico do co-piloto, digo-lhe:
- Vá sente-se aqui, agarre na nossa
menina com delicadeza, ela não gosta de brusquidão.
Observo-o em pé; No seu olhar cabe
todo o infinito. Dá pequenos toques no manche, a que a B-17 nem sequer
responde.-Obrigado Sr. Capitão !! Que experiência Única. Obrigado.
- Vamos ver se isto agora não se
torna moda…deixa cair a afirmação o “incomodado” co-piloto.
Entramos em território neutro. Na
manhã seguinte impõe-se um reabastecimento, num local já conhecido. A aproximação ao aeródromo não é das melhores. Rapidamente se identificam algumas pequenas armadilhas – Manobrando para as evitar – Eis que um ruído grave, oco, percorre toda a fuselagem.
-Batemos em algo !! Afirma o
co-piloto num tôm grave.
- Bati em algo…mas o quê?? Penso
para mim.Aterramos. O leme de profundidade do lado direito está danificado, assim como o estabilizador horizontal; A fuselagem apresenta uma deformação assinalável.
- Operador de rádio – ligue à base. Pede o Co-piloto.
-Tenho que fazer de imediato o relatório de danos ao Sr. comandante., como compreende Sr. Capitão.
- Claro que sim, prossiga. Afirmo.
Só me faltava esta…era mesmo o que
eu precisava na minha folha de serviço…evitei as pequenas armadilhas para
chegar ao combustível…mas não evitei a armadilha na aproximação, que me valeu
os danos na B-17…
Abastecemos. Levantamos voo dali.Num ápice, paralelo a nós, aproximadamente às 09:00 horas, enquanto saiamos do periférico de Madrid, em direcção a Zaragoça, descola um F-18 Hornet que rapidamente desparece sob uma curva apertada à esquerda em que a potência dos seus motores se afirma em toda a plenitude.
Se bem que os danos não influenciam o comportamento da B-17, a verdade é que estão lá.
Têm que ser avaliados.
O co-piloto, bem ao seu estilo, afirma: - Ora…se não entra água…esta tudo bem….
O que não é bem assim.
Em Andorra discute-se a decisão de
avançar em direcção ao objectivo, não sendo possível uma correcta avaliação dos
danos no local.
Para França – Lá a resistência
pode-nos dar uma ajuda com isto. Eles têm experiência.
Assim partimos em direcção a um
hangar clandestino, que o co-piloto não consegue localizar.
Um dos artilheiros aproxima-se de
mim e diz- desculpe Sr. Capitão. Tenho aqui um pequeno “Beep” que deve permitir
localizar esse Hangar.
Assim seja então – Sr. Tenente
(co-piloto) ceda o seu lugar ao nosso Cabo, por favor – ordeno.- Olha isto…tá bonito…lá vai resmungando enquanto se retira do seu lugar, expressando uma infeliz resignação.
Bem – O Sr. Cabo, o Sr. é que nos vai guiar em direcção ao destino – Afirmo em tôm grave.
Se me disser para virar á esquerda ou á direita é exactamente o que vou fazer – Estamos todos na sua mão agora. Não esqueça.
Nervoso, o nosso cabo artilheiro,
está a altura do desafio. Guia-nos milimetricamente em direcção ao camuflado
hangar, felicito-o pelo feito, vou propô-lo para uns dias de licença extra.
Já no interior do Hangar, somos
recebidos com grande simpatia pela resistência Francesa, que rapidamente se
prontifica para nos ajudar.O problema é que a reparação é morosa. – E “andar de passeio” pela França ocupada é complicado, só para situações de extrema necessidade, no caso de a aeronave ser abatida, por exemplo.
Carregada para um voo em direcção a um alvo designado, dormitam no interior da B-17 algumas dezenas de bombas que não vão conhecer o alvo.
Teriam que ser lançadas
no oceano, mas para a resistência, todos os projecteis são de grande utilidade;
A resistência irá assim dar-lhes um outro destino.
A resistência Francesa
dá o seu melhor para que possamos partir em segurança, sem qualquer custo,
desejando-nos uma boa viagem.É a atitude das pessoas que faz a diferença num momento – Tudo o resto não passa de cenário.
Fora do território ocupado, com a
missão original cancelada, tentamos aproveitar o tempo para visitar a bela La Rochelle.
O seu Aquarium é digno de uma
demorada visita, onde os oceanos ganham uma nova perspectiva, dos tubarões às
tartarugas, todos se mostram exímios anfitriões, como numerosas fotografias assim
documentam.Segue-se o jantar, junto ao emblemático porto, os pés fustigam os artilheiros depois de uma longa marcha a pé do parque de campismo até ao centro da cidade; E a vinda de táxi para o parque de campismo, permite um apreciar (tal como um bom vinho) o conforto da viatura que nos transporta, em comparação com o que temos lá pela base.
- Quero uma viatura destas lá na
base !! Diz um dos artilheiros.
- Ora…Ora…é o cansaço é que vos faz
dizer que esta viatura é mais cómoda que as nossas lá na base. Afirma o co-piloto.De forma imediata, em uníssono, contrapomos que esta completamente errado, volta a insistir na mesma afirmação apesar da falta de credibilidade no que diz, e que todos reconhecem.
Na manhã seguinte, somos interrompidos
nas rotinas diárias por uma mensagem da base, dando conta que o Hangar dos caças
tinha sofrido…uma inundação séria, debelada pelo pessoal, na medida das suas possibilidades.
- Bem, se já não está água a correr…logo
seca. Afirma o co-piloto.Não é assim – Sabes bem que aquilo se transforma numa piscina lá dentro. E não são barcos que estão lá. Estamos de regresso. Já chega.
Tal criança de 2 anos, perde-se agora o co-piloto em numerosas tentativas de conseguir mais algumas horas de voo desta missão, custe o que custar.
Segue-se a fase da birra. Mas a
decisão já estava tomada. A impressão que fica é que não é a melhor.
Já em Biarritz, pela
manhã está mais bem-disposto, enquanto passa revista na placa as diversas
aeronaves estacionadas, das mais diversas proveniências, a tempo ainda de apanhar
um pequeno “cagaço” com uma passagem baixa de dois Mirage III da França Livre.
- Estes gajos…se fossem
mas era brincar para longe…resmunga o co-piloto, perante o meu ar de satisfação
e alegria pela “visita”.
Aproveitamos antes da
partida, para trocar algumas impressões com uma tripulação Sueca (coisa rara,
nestas paragens) bastante simpáticos e afáveis.
Após o regresso segue-se a reparação;
O Sr. Comandante foi de uma compreensão inexcedível, e entre muitas outras B-17
com danos maiores, os olhos comprovam o
que a mente já há muito sabia – Uma frágil
folha de alumínio, é toda a nossa protecção. Nada mais.
Consequências?
Não volta a “levantar” na minha mão
sem seguro contra todos, visto a reparação, que apesar de parecer “pequena”, teve
um número “grande”.
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