sexta-feira, 27 de junho de 2014

Objectivo redefinido










 
 
Chove. Nem sequer abranda.
Em direcção a um dos edifícios de logística da nossa base, com a capota do Willys a acusar o peso da enorme bátega de água, um dos artilheiros, confidencia-me:
- Sabe, Sr. Capitão não tenho “fé” nenhuma nesta próxima missão. (numa breve frase de tom pesado, expressando cansaço)

- É o nosso trabalho nesta guerra – Afirmo, mas também pela forma como me expresso, o jovem artilheiro facilmente percebe que a motivação é a mesma da dele.

O nosso co-piloto parece ser o único que vibra com a perspectiva da surtida. Nada aplicado nos seus deveres, enquanto em terra, na base, com o anúncio da missão tudo aparece feito com um brio e energia nunca vistas.

O que desalenta mais ainda toda a restante tripulação – Sem frases, vê-se bem nos olhares que trocam.   

Não gosto de voar assim – penso para mim, mas não o confidencio a ninguém.
A bordo ganhámos o último membro em falta na B-17. O artilheiro da “Ball turret” – ou seja da esfera onde duas metralhadoras gémeas de .50 dão a protecção a todo o ventre da B-17.

É uma posição perigosíssima. Preferia não ter que voar com ninguém na esfera, todos conhecem muitos casos com desfechos terríveis, onde B-17 ficaram sem trem de aterragem e foram forçadas a pousar com os artilheiros neste local, presos, sem que os mesmos se conseguissem libertar deste posto. Além do mais é o uníco local que nem sequer permite que o seu operador tenha o para-quedas colocado.

Não quero pensar nisso.
É muito jovem este novo membro da tripulação – Magro e ágil como se requer para a infame “esfera”. Cheio de energia e motivação.

Em voo, chamo-o ao Cockpit. Perante a incredulidade e olhar crítico do co-piloto, digo-lhe:

- Vá sente-se aqui, agarre na nossa menina com delicadeza, ela não gosta de brusquidão.
Observo-o em pé; No seu olhar cabe todo o infinito. Dá pequenos toques no manche, a que a B-17 nem sequer responde.

-Obrigado Sr. Capitão !! Que experiência Única. Obrigado.

- Vamos ver se isto agora não se torna moda…deixa cair a afirmação o “incomodado” co-piloto.
Entramos em território neutro. Na manhã seguinte impõe-se um reabastecimento, num local já conhecido.

A aproximação ao aeródromo não é das melhores. Rapidamente se identificam algumas pequenas armadilhas – Manobrando para as evitar – Eis que um ruído grave, oco, percorre toda a fuselagem.

-Batemos em algo !! Afirma o co-piloto num tôm grave.
- Bati em algo…mas o quê?? Penso para mim.

Aterramos. O leme de profundidade do lado direito está danificado, assim como o estabilizador horizontal; A fuselagem apresenta uma deformação assinalável.

- Operador de rádio – ligue à base. Pede o Co-piloto.

-Tenho que fazer de imediato o relatório de danos ao Sr. comandante., como compreende Sr. Capitão.

- Claro que sim, prossiga. Afirmo.
Só me faltava esta…era mesmo o que eu precisava na minha folha de serviço…evitei as pequenas armadilhas para chegar ao combustível…mas não evitei a armadilha na aproximação, que me valeu os danos na B-17…
Abastecemos. Levantamos voo dali.

Num ápice, paralelo a nós, aproximadamente às 09:00 horas, enquanto saiamos do periférico de Madrid, em direcção a Zaragoça, descola um F-18 Hornet que rapidamente desparece sob uma curva apertada à esquerda em que a potência dos seus motores se afirma em toda a plenitude.

Se bem que os danos não influenciam o comportamento da B-17, a verdade é que estão lá.

Têm que ser avaliados.

O co-piloto, bem ao seu estilo, afirma: - Ora…se não entra água…esta tudo bem….

O que não é bem assim.
Em Andorra discute-se a decisão de avançar em direcção ao objectivo, não sendo possível uma correcta avaliação dos danos no local.

Para França – Lá a resistência pode-nos dar uma ajuda com isto. Eles têm experiência.
Assim partimos em direcção a um hangar clandestino, que o co-piloto não consegue localizar.

Um dos artilheiros aproxima-se de mim e diz- desculpe Sr. Capitão. Tenho aqui um pequeno “Beep” que deve permitir localizar esse Hangar.
Assim seja então – Sr. Tenente (co-piloto) ceda o seu lugar ao nosso Cabo, por favor – ordeno.

- Olha isto…tá bonito…lá vai resmungando enquanto se retira do seu lugar, expressando uma infeliz resignação.

Bem –  O Sr. Cabo, o Sr. é que nos vai guiar em direcção ao destino – Afirmo em tôm grave.

Se me disser para virar á esquerda ou á direita é exactamente o que vou fazer – Estamos todos na sua mão agora. Não esqueça.

Nervoso, o nosso cabo artilheiro, está a altura do desafio. Guia-nos milimetricamente em direcção ao camuflado hangar, felicito-o pelo feito, vou propô-lo para uns dias de licença extra.  
Já no interior do Hangar, somos recebidos com grande simpatia pela resistência Francesa, que rapidamente se prontifica para nos ajudar.

O problema é que a reparação é morosa. – E “andar de passeio” pela França ocupada é complicado, só para situações de extrema necessidade, no caso de a aeronave ser abatida, por exemplo.

Carregada para um voo em direcção a um alvo designado, dormitam no interior da B-17 algumas dezenas de bombas que não vão conhecer o alvo.

Teriam que ser lançadas no oceano, mas para a resistência, todos os projecteis são de grande utilidade; A resistência irá assim dar-lhes um outro destino.
A resistência Francesa dá o seu melhor para que possamos partir em segurança, sem qualquer custo, desejando-nos uma boa viagem.

É a atitude das pessoas que faz a diferença num momento – Tudo o resto não passa de cenário.

Fora do território ocupado, com a missão original cancelada, tentamos aproveitar o tempo para visitar a bela La Rochelle.   
O seu Aquarium é digno de uma demorada visita, onde os oceanos ganham uma nova perspectiva, dos tubarões às tartarugas, todos se mostram exímios anfitriões, como numerosas fotografias assim documentam.

Segue-se o jantar, junto ao emblemático porto, os pés fustigam os artilheiros depois de uma longa marcha a pé do parque de campismo até ao centro da cidade; E a vinda de táxi para o parque de campismo, permite um apreciar (tal como um bom vinho) o conforto da viatura que nos transporta, em comparação com o que temos lá pela base.

- Quero uma viatura destas lá na base !! Diz um dos artilheiros.
- Ora…Ora…é o cansaço é que vos faz dizer que esta viatura é mais cómoda que as nossas lá na base. Afirma o co-piloto.

De forma imediata, em uníssono, contrapomos que esta completamente errado, volta a insistir na mesma afirmação apesar da falta de credibilidade no que diz, e que todos reconhecem.

Na manhã seguinte, somos interrompidos nas rotinas diárias por uma mensagem da base, dando conta que o Hangar dos caças tinha sofrido…uma inundação séria, debelada pelo pessoal, na medida das suas possibilidades.
- Bem, se já não está água a correr…logo seca. Afirma o co-piloto.

Não é assim –  Sabes bem que aquilo se transforma numa piscina lá dentro.  E não são barcos que estão lá. Estamos de regresso. Já chega.

Tal criança de 2 anos, perde-se agora o co-piloto em numerosas tentativas de conseguir mais algumas horas de voo desta missão, custe o que custar.

Segue-se a fase da birra. Mas a decisão já estava tomada. A impressão que fica é que não é a melhor.
Já em Biarritz, pela manhã está mais bem-disposto, enquanto passa revista na placa as diversas aeronaves estacionadas, das mais diversas proveniências, a tempo ainda de apanhar um pequeno “cagaço” com uma passagem baixa de dois Mirage III da França Livre.
- Estes gajos…se fossem mas era brincar para longe…resmunga o co-piloto, perante o meu ar de satisfação e alegria pela “visita”.
Aproveitamos antes da partida, para trocar algumas impressões com uma tripulação Sueca (coisa rara, nestas paragens) bastante simpáticos e afáveis.

Após o regresso segue-se a reparação; O Sr. Comandante foi de uma compreensão inexcedível, e entre muitas outras B-17 com danos maiores,  os olhos comprovam o que a mente já há muito sabia – Uma  frágil folha de alumínio, é toda a nossa protecção. Nada mais.
Consequências?
Não volta a “levantar” na minha mão sem seguro contra todos, visto a reparação, que apesar de parecer “pequena”, teve um número “grande”.

Agora mesmo no Willys, a tripulação em tom de gracejo não deixa escapar a ocasião... veja lá bem a manobra...Sr.Capitão.

Sem comentários:

Enviar um comentário