domingo, 6 de maio de 2012

Voando sobre a realidade





















Atravessando a noite, percorre-se Espanha, antes de alcançar Andorra.
A profunda crise, (que agora todos anunciam) percebe-se pelo reduzido trafego nas estradas, aplicado o “remédio” da austeridade, por prescrição dos dirigentes.
 À semelhança do sucedido com os doentes na idade média, uma forte sangria é a solução encontrada.
Desde, como é claro, não atinja em nada os nababos políticos, e demais oligarquia que submetem o povo a tal tratamento.
Até têm coragem de afirmar, escondidos atrás de frases elaboradas, que a cabecinha do povinho é que foi tonta, que não devia ter deixado seduzir-se por mais e mais bens materiais, numa espiral sempre crescente, graças ao cultivo de uma ausência de valores, muito conveniente, para quem quer mandar.
 É neste triste cenário que se depara assim Espanha; Andorra, tal peça de dominó, vê o seu comércio ir a pique, segundo o que alguns locais me confidenciam.
Choque total, ao descobrir que um amigo nosso, numa “pacífica” missão de transporte, quase perdeu a vida.
O seu empregador, apesar dos inúmeros avisos que recebeu, deixou a sua gigantesca aeronave de transporte, continuar em serviço, com graves falhas de segurança.

Num insuspeitado dia, percorre 30 metros desde a estrada, quase a pique, até ao fundo de uma ravina.

A sua aeronave ficou totalmente destroçada, irreconhecível; No seu corpo longas cicatrizes e o relato do sofrimento a que esteve submetido.
E o futuro? Como vai ser agora? Ainda não sabe nada, apenas a certeza que o criminoso patrão vai escapar incólume.
Passa-se pelo supermercado, arranca-se para França com o mediterrâneo colado ao ombro.
Sucedem-se belas cidades, e vilas piscatórias. Delicadas, umas mais turísticas que outras.
Como que saída do início do seculo XIX, uma loja de doces caseiros, verdadeira jóia artesanal de sabores com um paladar belo, com que brindava também a vista.
Na mesma rota, vêm Cannes, que surpreende pelo seu carácter descontraído.
A “guerra” da crise parece ainda não ter chegado a estas paragens…comenta o co-piloto.

A tripulação encanta-se com a sua praia; A sua marginal exibe no lado oposto uma assinalável quantidade de lojas de grande apuro.
Facilmente perceptível, através das peças expostas, o arrojo do design, e bem conseguidas combinações de cores, provam que o “criar” é um exercício mais interessante que o “copiar”.
Mais trabalhoso, desafiante e arriscado, totalmente contrário à corrente dos tempos actuais.
Simpática, Cannes têm um pequeno “hall of fame” onde alguns artistas do cinema, de nomes sonantes deixaram as impressões das palmas das suas mãos.

Curiosa é a meteorologia igualmente… final de Março e com temperaturas quase de Junho…enquanto aguardamos em diligente fila para entrar no ultra exclusivo Mónaco, tal aristocrata distante e altivo, pouco interessante de conhecer.
A sua arquitectura caracteriza-se pela optimização do espaço disponível, e como é muito escasso, crescem prédios desmesuradamente em altura.

No meio do trânsito é difícil localizar os “lugares comuns” que todos nós conhecemos das corridas de fórmula 1; Quando nos deparamos com um desses locais, parece que a sua escala é bem menor do que nos habituamos a ver na televisão.

Sucede-se a Itália. Ventimiglia é uma cidade simpática, até Roma são cerca de 600Km de uma estada em que se sucedem um misto de localidades em tamanho e numero sempre à beira mar.

Imaginem uma estada marginal, como temos por cá. De Lisboa a Cascais ou de Lagos a Faro.

Mas com o mar devidamente cuidado. Espanta-me a ausência de poluição, descubro umas enormes ETAR’s discretas na sua localização, que assim mantêm esta costa do Mediterrâneo muito bela e atractiva.

De modo a escapar às “pesadas” portagens italianas, deparamos com o centro de Génova, tentando descortinar umas pequenas placas com a indicação da localidade seguinte.

A noite já se prepara entretanto para se deitar; De modo a não descurar a segurança o co-piloto fica de vigia durante um par de horas enquanto a mesa dos mapas do navegador me serve de cama.
Brilha o sol intenso. Retemperado, agarro nos comandos direito a Roma.
Algumas horas e chegamos aos seus arredores, têm encanto, não sei dizer.
Das suas mil faces, da mais sedutora à mais casta, todas são verdadeiramente fascinantes.
Com a sua história alguns lugares parecem falar connosco, envolvem e transportam para outros tempos.
Como o Coliseu.

Em pleno séc. XXI, a sua arena abarca a dimensão de nações, lançadas igualmente a um renovado tipo de feras, onde a ganância e a exploração são o espectáculo garantido para os mandantes, que das bancadas, sem piedade e desprovidos de qualquer senso, ordenam o triste espectáculo, agora numa dimensão global.

Relembrem Pedro. Que se ergueu das bancadas do Coliseu e enfrentou Nero; Tentando despertar em a consciência adormecida dos cidadãos de Roma.

Grandiosa atitude, muito maior que todos os monumentos que por lá perduram.
Tenta-se uma rota ainda mais para sul, mas os preços dos combustíveis são verdadeiro fogo; Interrogo-me se esta economia não terá em breve à sua espera um incêndio de dimensões proporcionais ao que Roma conheceu no passado.
Partimos para Norte, em direcção a Áustria, com os protestos do co-piloto por escolher a estrada nacional, temendo um percurso difícil.

Mas tratou-se de uma agradável surpresa, onde inclusive, um Ferrari enche os pulmões pela estrada serpenteada, num misto de potência e graciosidade.
Já na Alemanha, nos arredores de Munique, sem mapas e pelo meio de numerosas obras na via, vou directo a Landsberg, sem hesitações em nenhum desvio ou placa. Milimetricamente.
Como se de se tratasse de um caminho que fizesse todos os dias.
Um forte ruído agudo, ao longe, anuncia um destes novos aviões inimigos que não têm hélices.

Os artilheiros inquietam-se, sabendo da manifesta incapacidade de apanhar em mira tais aeronaves.

Mas o ruído desaparece, levando com ele o momento de tensão.

- Ainda conheces bem estas zonas…afirma o co-piloto, sabendo que eu tinha vivido por ali há cerca de 20 anos.

Por curtos instantes, passam na minha memória esses tempos.

Da alegria de um emprego modesto e muito trabalhoso, com uns colegas de trabalho verdadeiramente impecáveis, muitos deles refugiados da Bósnia Herzegovina, onde se viram de um dia para o outro, vítimas de um genocídio sem explicação, como que me relataram na primeira pessoa.
E também de uma batalha que perdi, quando tentei libertar a mulher dos cabelos cor de fogo, de um terrível vicio que a consumia.

Recordo especialmente o seu carácter. Quando todos terminavam o dia de trabalho, rapidamente partiam para o descanso. Ela não.

Vinha sempre dar uma ajuda, aqueles que ainda afogados em trabalho, procuravam chegar ao descanso.

Espero que esteja bem. Que tenha um marido e filhos que a amem verdadeiramente, e que o vício não a tenha feito perder-se.

Aproxima-se o objectivo. As famosas rampas lançadoras das bombas V-2.

Na alegoria dos tempos actuais, toma o seu lugar a localidade de Schwäbisch Hall.

Sim essa mesma, anunciada a todos nós, via e-mail ou via jornal, como a “rica” localidade alemã que ansiava por Portugueses, com milhares de postos de trabalhos disponíveis.
Nada mais falso. Num fundo de um vale quase sem luz lá encontramos o objectivo.
Têm um gigantesco hospital, em linhas dos anos 50. Para onde acorrem ambulâncias transportando pessoas de elevada idade.

Também têm uma pequena fábrica de cerveja. E um supermercado. E nada mais de relevante.

Os seus cidadãos querem tanto aprender Português (como se afirma no suposto e-mail que circula por Portugal) como nós queremos aprender mandarim.

A ausência de grandes infra-estruturas produtivas rapidamente dá a percepção que poucos ou nenhuns trabalhos se encontram por lá disponíveis.


Teria sido mais produtivo, para aqueles que assim lançam as pessoas à conquista de algo falso, que os empregos e todo um futuro, estivessem à espera na Nazaré, a um metro à frente de onde o cavalo de D. Fuas Roupinho se deteve antes de se precipitar no abismo. 


Mas a Nazaré é perto. E Schwäbisch Hall é longe, e nessa distância cabem todas as mentiras.

O co-piloto detesta o local, e dá mostras de se sentir mal sobre o objectivo. O mesmo acontece com um dos artilheiros.

Também não morro de amores pelo local. Até a luz dos candeeiros parece que é sugada por algo.
-Ok !! Já basta !! Manetes de potência no máximo e vamos daqui para fora!!
Todos respiram de alívio depois de abandonar aquelas paragens.
Sinceramente tenho pena que 10 milhões de Portugueses não possam vir até Schwäbisch Hall, para verem a mentira que é.
Necessitamos sim (e esses não ouvimos falar) é de projectos virados para o nosso maior recurso, o Mar.

Não de efectuar uma exploração desmedida dos seus recursos, mas sim de lançarmos em projectos de aquacultura em grande escala devidamente sustentados.
Se forem ao supermercado e comprarem peixe, verão que uma grande percentagem já é de aquacultura, mas têm origem em Espanha e até na Grécia.

Ora isto é totalmente incompreensível para um país que têm uma Zona Económica Exclusiva de Oceano de 3 027 408 km² (14,9 vezes a área de Portugal) uma área comparável ao território da Índia - o sétimo maior país do mundo)

Mais fácil é sufocar as pessoas com impostos ou com projectos tipo TGV’s ou similares.
Imaginem o nosso país a abastecer os principais mercados do mundo de peixe, graças a sua aquacultura.
O verdadeiro Luxemburgo da Europa. E não o pequeno pedinte de esmola. Mas isso não interessa aos políticos, pois dá trabalho de pensar e executar.

Uma grande interrogação vem à mente exactamente no Luxemburgo.
O pequeno estado milionário, onde os combustíveis são bem mais baratos que em Portugal não parece ter industrias ou sequer espaço disponível para uma agricultura que justifique tal riqueza.
Humm…mas não tem políticos que jogam interesses pessoais e de corporações acima do bem comum para todos.
Paris já de regresso; Em jeito de “tour” pela cidade, o Arco do Triunfo e a Torre Eiffel posam em estilo.
O artilheiro de cauda, que no início da viagem desparecia enquanto em voo, pelos recantos da fuselagem, ocupa o ligar do artilheiro de estibordo, enquanto perscruta com o seu olhar curioso toda a gigantesca cidade. 
A rara beleza de ar pensativo junta-se à arte na sua forma pura, presente nos numerosos pintores na margem do Sena.
Respiramos de alívio em uníssono, quando uma viatura, surpreendida pelo trânsito lento, quase nos acerta em cheio na cauda, com as consequências que poderão imaginar.
E….5 Horas depois lá nos conseguimos libertar do seu terrível transito, onde algumas pequenas viaturas, já na berma, protestam com os seus capots abetos e radiadores fumegantes, para desconsolo dos seus donos.

A etapa de regresso agora é longa.

Pelas estradas nacionais já em plena noite, o co-piloto solicita ordem para fechar os olhos por alguns momentos.
Não tardou 5 minutos. Um forte ruído a bombordo indica um impacto com algo; O co-piloto acorda de imediato.

- O que foi isto??

- Não sei respondo-lhe….Para já estamos inteiros.

Com a sensação de ter bebido um café duplo, volto para trás tentando perceber a origem do impacto.
Mas absolutamente nada encontro no local.
Desperto, o co-piloto perdeu o seu sono.
É usual as bermas das estradas nacionais terem por aqui um declive superior a 2 metros de altura…penso silenciosamente…ora um impacto contra qualquer coisa que se atravesse de forma inesperada, lá se perde a direcção e lá se vai directo à valeta…
Sendo que esta estrutura, em relação a uma viatura normal está muito transformada e aligeirada, sendo na sua maioria fibra de vidro…o resultado é fácil de descobrir.

Além de mim…ainda tenho esta tropa toda à minha responsabilidade…lembrando os familiares da tripulação que conheci na base.
-Dê uma olhadela pelo rapaz…Sr. Capitão…são as palavras que recordo dos diversos familares, que se cruzaram comigo à altura.

Na esquadra dos caças de combate (que todos afirmam ser muito mais perigoso, no total desconhecimento desta actual missão) somos apenas nós e a nossa aeronave.

Aqui, para todos os efeitos, se a coisa corre mal…é vezes 6, não esquecendo a fortaleza voadora…

Agora compreendo o co-piloto. Porque não procura evoluir.

Passei-lhe os comandos em pleno centro de Roma, teve de ser.

Gritava e protestava por todos os poros; transmitiu tudo isso à aeronave e rapidamente se ouviu buzinas à sua volta em tom de descontentamento.

Assim a responsabilidade nunca será dele. Fica sempre comigo.
E quando a guerra acabar, com uma caderneta cheia de horas de voo, têm um lugar à espera numa qualquer linha aérea, como piloto comandante, alvo das atenções de todas as hospedeiras.

Já em Portugal por uma rota nunca antes utlizada (lembrava-me dela há muitos anos e não era pêra doce) acedi aos insistentes pedidos do co-piloto de voarmos por essas paragens.

5 estrelas, devo dizer. Auto estradas assim boas só mesmo no Luxemburgo. (esqueçam as alemãs, que vivem de muita fantasia, pois há zonas que nem rede de separação têm, entre a via e os terrenos agrícolas que as ladeiam)


Sei que não acreditam, mas é verdade.
Estas vias, por cá  têm uns pórticos metálicos, que piscam uma luz roxa, tipo discoteca, e o co-piloto diz que depois vão ao bolso do comandante, tipo Portagem.

A menos de 100km de casa …está difícil de abastecer…as bombas de combustíveis todas fechadas e as de pagamento automático fora de serviço…

- Depois de uma viagem destas fica sem combustível quase em casa...xiii... a esquadra inteira ia rir-se as gargalhadas de nós...comento.

- Vai a esquadra da polícia civil e pede indicações – solicito ao co-piloto.

De uma grande simpatia, a força policial de Torres Novas acompanhou-nos até a bomba, assegurando-se que conseguíamos abastecer.

O meu sincero reconhecimento.

Aterramos na base já pela madrugada, passado um dia já os artilheiros estão de volta à formação.
Convicto que o nosso país pode fazer a diferença pela criatividade na utilização dos seus (ao contrario do que se julga) vastos recursos, depois de liberto de interesses mesquinhos, redes de poder e influencia que sufocam uma nação inteira.
Junta a tua voz a dos outros que como tu vêem o que está mal, assim em conjunto farão a diferença, atacando o silêncio, conveniente, para quem só procura a riqueza e o engrandecimento pessoal à custa de todos nós.

Quanto mais tarde isso acontecer, mais perto o abismo da escravidão estará a nossa espera. 

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