domingo, 11 de setembro de 2011

Objectivo definido

















Chegou o dia da missão.


Finalmente.

Para o meu co-piloto, que assim, libertado do “fardo” do dia-a-dia, da rotina da base, do clube de oficiais e de todas e demais rotinas que o castigam no seu viver.

A energia e a vida voltam assim ao seu corpo. É outra pessoa.

Os artilheiros entusiasmam-se, já há algum tempo que não havia nenhuma missão.

Conseguimos levantar voo, após um dia de trabalho, em direcção a Espanha.

A meteorologia não está agressiva, o tempo é bom e a estrada, neste habitual trajecto , é simpática e acolhedora.

Caí a noite, acompanhada por uma comichão que tenho numa perna, que de intermitente, passa a contínua, e perante as risadas de todos a bordo, descubro umas enormes picadelas de um bicharoco, que pelo dano que fez, só pode ser do inimigo.

Mesmo à noite, já se sente o calor a apertar no interior de Espanha.

Manhã seguinte; Os artilheiros aproveitam para comprar umas pequenas mascotes de peluche, já tradição de outras missões.

Chegados à zona da biscaia, começa a chuva – poderia dizer-se que estamos em Março ou Abril, mas nunca em Agosto.

A temperatura cai, (e mais uma vez) a falta de indicações metrológicas precisas, deixa-nos numa zona de temporal, e após atestar o depósito, lá seguimos viagem.

Os pingos de chuva batem com intensidade por toda a fuselagem, ao despertar numa área de serviço em França.

A tempestade arruinou todo o sistema de telecomunicações da área de serviço, todos e mais alguns cartões bancários de nada servem; Nem combustíveis vendem a ninguém.

Mas dá para comprar croissants. Acabadinhos de fazer e recheados por um belo sorriso.

Os artilheiros à força de muita insistência por parte do co-piloto, lá se mexem menos vagarosamente, mas arrancar antes do meio-dia, é praticamente impossível.

Percorremos campos imensos de girassóis, que tristes, olham para o chão, enquanto o sol não brilha em toda a sua plenitude.

Por estradas nacionais descobrimos uma cidade chamada de Thiers, à sua volta parece que estamos em plena serra de Sintra, mas a uma escala maior; A estibordo um dos artilheiros vê um imponente falcão em voo raso; Uma estrada estreita, coberta por uma densa copa de árvores, deixa-nos no mais absoluto meio rural, e com a ajuda de um habitante local regressamos a um itinerário menos “secundário ” numa zona que pela sua geografia, apelidei de “Mini Balcãs”.

Numa loja de antiguidades ainda nesta zona, convivem, na maior entropia, jornais dos anos 30, num incrível bom estado de conservação, a que se juntam rádios a válvulas, discos de vinil e aspiradores da década de 50, quase tudo a preços acessíveis.

Com a pressa, digo ao co-piloto: - tenho que passar por aqui na vinda…

Sucedem-se as localidades, as belas paisagens, a quietude e a calma que as cidades perderam à muito.

Surgem placas com nomes todos acabados em “heim” e lembro-me que se calhar podemos estar perto da famosa Molsheim, terra de nascimento dos famosos automóveis Bugatti.

Paramos para um snack a meio da tarde, e as cegonhas, tais pardais em Portugal, vêem comer os bocaditos de pão que as pessoas carinhosamente lhes dão, rendidas à graciosidade de uma tão bela ave.

Não estava errado. Passados alguns Km’s estava frente à fábrica dos ditos carros míticos.

A localidade, Molsheim, na sua delicada dimensão, surpreende pela simpatia dos seus habitantes (do vendedor de gelados ao segurança da fabrica da Bugatti), e pela beleza da sua praça central e seus edifícios, que, no seu pequeno tamanho, acolhem toda a grandiosidade.

No plano da nossa missão surge a indicação da necessidade de um contacto com um membro da resistência francesa.

Com a indicação da sua morada, tentamos o contacto.

Curiosamente, e para evitar “trocas de identidade” que o inimigo consegue por vezes fazer, foi –me mostrada uma foto do “contacto” antes de partirmos em missão.

Mas está difícil encontrar a morada. Passo por uma rua perto da morada que se queria encontrar e vejo uma cara. É ele. Não tenho duvidas, digo para o co-piloto.

E era mesmo!! Surpreendido de ser reconhecido por quem nunca o tinha visto pessoalmente!!

Guia-me rapidamente pelo interior de uma cave por baixo de uma inocente vivenda, é aqui que se encontra relegada a sua vida, de resistência, sem luz, sem calor, perante um inimigo que tudo faz para o caçar sem piedade.

Dado o carácter da situação, o encontro foi bastante breve, agarro os seus frágeis braços só para lhe dar alento, transmitir-lhe o respeito que sinto pela sua luta, e que um dia, poderá sorrir ao sol, com a sua família, liberto da quase escravatura a que se encontra nos dias de hoje.

Segue-se a Alemanha. Observamos planadores que treinam numa pacata manhã de fim-de-semana.

Encontramos um simpático parque de campismo em Bad Dürkheim junto a um pequeno aeródromo.

Consegue um dos artilheiros surpreender todo o parque quando, já em plena noite (que para os Alemães eram já altas horas) quase coloca um dos motores em funcionamento…

Contamos ainda com a simpatia de um conhecido nosso, morador nesta localidade.

Deseja-nos um bom voo e uma aterragem feliz, é acima de tudo uma excelente pessoa, como tivemos oportunidade de verificar, neste encontro também fugaz, dadas as características.

As nações podem até ser inimigas, as vezes na história.

As suas pessoas não – A maioria lutam pelos seus ideais ou pelo dever.

Uma pequena parte no entanto, aproveita essa triste situação para libertar o pior que existe dentro de si, na maior da barbárie possível – esses sim o verdadeiro inimigo; Penso para mim.

A tripulação e eu aproveitamos para almoçar na manhã seguinte, no maior barril de cerveja do mundo… a comida é uma agradável surpresa, ao contrário do que possam pensar.

É claro que tivemos que marcar um dia antes, na melhor tradição alemã…perante a incredulidade da empregada que aceitou a nossa reserva, e do que estaríamos ali a fazer.

Valendo-se do nosso “muito básico” alemão, tudo se consegue.

Em plena autoestrada surge-nos um supersónico Concorde ao nosso lado; - Quando de regresso temos que passar aqui (museu de Sinsheim) afirmamos todos em uníssono.

Vêm os Alpes.

Uma fuga de óleo parece persistir num dos motores., se bem que não é grande, pode dar sarilho.

O trânsito por esta auto-estrada em direcção a Itália é maciço, cerca de 400 Km’s sempre a subir, através da Áustria.

Até que chegamos à Itália.

Estou literalmente passado da cabeça com o co-piloto.

Esta “etapa” italiana devia ter sido planificada por ele, mas não fez nada, nem tem a certeza de nada.

Nem da distancia, a que estamos do objectivo. Nada.

Pergunta a distância numa área de serviço (não tínhamos mapas para este país) mas a distância indicada parece estar deslocada de toda a realidade. Mas não se esqueçam que estamos em Itália.

Igual confusão para encontrar um parque de campismo - Dada a altura do ano estava literalmente tudo esgotado, de parque em parque contam-se cinco.

No último deles a empregada de serviço responde… - Vão lá ver…se tiverem espaço, ponham lá…

É claro que a confusão no interior do parque era a mais generalizada, e literalmente “fico a ferver” com o co-piloto.

Lá consegue encontrar um parque de estacionamento para passarmos a noite….O quê?? Em Itália ? É arriscado.

O sono de todos a bordo é interrompido com uma gigantesca trovoada, mas apesar de bem acordados ninguém diz nada.

Na manhã seguinte o sol brilha radioso.

O co-piloto insiste que venha veras redondezas, ao que respondo um categórico não.

Sozinho, começo a falar com o pessoal que estava parqueado ao meu lado, curiosamente também Português, apesar da matrícula alemã.

Volta a tripulação, maravilhada com o Lago de Garda.

E percebo o porquê.

A região onde nos encontramos é realmente muito bela, as pessoas são simpáticas e o trânsito é como em Portugal, um pouco mais agressivo talvez, que se estranha muito vindo da Alemanha, mas menos se pudéssemos passar directamente de Portugal para a Itália, não seria assim muito diferente.

As placas com a indicação a verde do nome da localidade, indicam as auto-estradas pagas.

A azul as nacionais gratuitas. O que dá confusão até estarmos habituados. Mas é uma terra agradável, até ver.

Veneza.

Sim, é isso tudo – Só depois de veres a compreenderás.

Ao contrário do que possas pensar, dá para andar a pé, não precisas de ir de barco para percorreres as suas ruas.

É magica – ancestral, seduz no seu todo, O grande canal é uma estrada movimentada, onde barcos de todas as dimensões e finalidades se cruzam, alguns saem das suas curiosas garagens onde o chão é feito de agua.

Descobres cenários dos mais diversos filmes que te lembras, reais, perante os teus olhos, já não és espectador, ao teu alcance está a acção.

As melgas não perdoam, castigam-te por não teres descoberto esta cidade mais cedo, mas nem queres saber dos vermelhões e picadelas.

Noutro local, decerto não seria assim.

Tal sereia, esta cidade enfeitiça, tal como sucedeu com os cavaleiros da primeira cruzada, e quando te apercebes, já lá deixaste uma nota.

A noite de Veneza, é contemplação pura.

Os proprietários das ricas casas, junto ao grande canal deixam as janelas sem cortinas e as luzes acesas para que o esplendor riquíssimo do interior das suas casas seja admirado.

No “vaporetto” (assim se chamam os pequenos barcos que unem as diversas paragens, tal autocarro) alguns questionam-se se devem olhar para o interior destas majestosas mansões, se não estão a ser indelicados, mas rapidamente esquecem essa problemática, assim que o barco desliza canal abaixo, apinhado de passageiros de todas as nacionalidades.

O calor entretanto ausente, volta em força no dia já de saída de Veneza, novamente a caminho dos Alpes.

O Museu de Sinsheim ficou ao alcance de um dia.

No seu gigantesco interior, toda a maquinaria é alvo de atenção, de carrosséis do século XIX, a maquinas industriais, militares, sem esquecer muitas aeronaves.

Muito do que se poderá encontrar, já faz parte das nossas memórias, junto a uma colecção de viaturas dos anos 50’s/ 60’s e 70’s encontram-se manequins trajados à época, curioso de ver como muitos dos trajes dessas épocas, estão afina,l completamente na moda.

O imponente e esbelto Concorde, faz fila para que se descubra o seu interior, muito espartano e acanhado ao contrário do que poderíamos pensar, tendo em conta o que custava uma passagem aérea “supersónica” sobre o atlântico.

O equivalente supersónico da união soviética, também está presente, mas é desprezado por parte do público, apesar de ser muito interessante, pois como patamar tecnológico alcançado, demonstra-mos como podemos chegar ao mesmo resultado, com formulas totalmente diferentes e originais.

Passas por um estranho Mercedes de cor cinzenta…já vi este carro em qualquer lado…é esse sim…de onde um ditador conseguiu atrair um povo para a violência total, lançando a humanidade na segunda guerra mundial.

Está num estado imaculado, poderia ter saído da fábrica, no momento em que o vês, tal como uma das infames carruagens de comboio de transporte de carga, também exposta e que tantos milhares de pessoas levaram a caminho da morte, numa loucura doentia.

Arrepia quem vê. Mas este museu é assim, não vive com conveniências, como todos os museus deveriam ser.

Para que a história sirva para alguma coisa. Para não se repetirem os erros do passado.

Aterramos ainda por mera casualidade num pequeno festival gastronómico, ainda na Alemanha, e o paladar ganha assim novos sabores, desconhecidos até então.

Um inteiro oceano, em todo o esplendor da sua côr azul, descobres, quando um olhar passa por ti, tentando perceber o que fazes por aquelas paragens.

Já de regresso, voltamos a loja de antiguidades que tínhamos visitado no inicio da viagem.

O olhar fugaz, que agora com mais tempo se debruça sobre alguns objectos, retira-lhes o brilho que aparentavam ter anteriormente, numa breve análise.

Num segundo, a percepção que a realidade é muito do que vês, de forma breve, incompleta a que se junta intensidade, numa dada situação.

É bom que seja assim. Fugaz. Sem conseguir uma analise profunda, ou detalhada.

Essa percepção incompleta é muito importante, desde que se mantenha sempre assim, no seu carácter.

Vivem na memória esses momentos, perturbam-te sempre, quer associados a felicidade ou tristeza.

Face a uma realidade com algumas semelhanças, podem-te fazer agir, é designado por instinto, mas não o é.

És tu que tentas que essa percepção semelhante não te fuja, procurando assim subtrair-lhe a sua forma breve, intensa e fugaz, submetendo-a a tua pesada análise profunda.

Não o faças – Dessa forma perderão brilho como sucedeu com os objectos na loja de antiguidades, e verás que ficas mais pobre.

Já de regresso um dos artilheiros fica febril.

Dada a proximidade – um voo directo até casa.

Uma transmissão via rádio da base, solicita a nossa localização imediata.

Estranho o sucedido, e pergunto qual a razão para tal.

- Uma fortaleza voadora explodiu nas imediações da base, contra uma aeronave inimiga, daí estarmos a contactar todas as aeronaves em missão – Respondem-me.

- Mais uma tripulação…a sua dedicação, empenho e vidas desperdiçadas.

Na guerra da vida, nunca se sabe a data da última missão.

No dia seguinte à chegada, já partia a B-17 com o Sr. Comandante com um co-piloto novo, exponencialmente altivo, perante tudo e todos.

À sua beira, pelas gratuitas afirmações que faz, todos são burros e não sabem nada.

A atitude perante os outros, determina também muito daquilo que nos tornamos.

Podes assim trazer alguma "luz" para os que te rodeiam, ou ao insistires em brilhar lá bem no alto, sempre em grande intensidade, acabas por queimar todos os que te rodeiam.

Escolhes assim, se a felicidade irá acompanhar-te, mesmo que não a vejas ou sintas nas tuas “missões”.

Bom Voo!!

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