sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Melodia da vida





 
 
 
 
 
 
 

 

Música.
Já é tradição no início do ano, pela mão do nosso comandante de esquadra, apesar de todas as dificuldades, lá consegue sempre que tenhamos a presença da banda da Força Aérea na nossa Base.
Na variedade do repertorio apresentado, mesmo para mim, um leigo na matéria, é surpreendente a rapidez com somos transportados para um determinado local, ou sentimento pelo conjunto de sons que sai, com cuidado e mestria de cada instrumento.
Em uníssono os instrumentos musicais, comandados pela batuta, adquirem vida através dos seus fiéis músicos.
Curiosamente, dois dos nossos artilheiros dedicam-se nos tempos livres a esta tão sublime actividade, enquanto a maioria prefere arrastar-se entre o bar e caserna, entre missões.
Quando chegaram à base não tinham ninguém conhecido.
Agora, de vez enquanto, quando lá conseguem autorização, trazem de visita à base as suas namoradas; onde as fortalezas voadoras, tal carro desportivo, em tempo de paz, causam olhares de espanto e temor nas jovens, perante a complexidade e grandeza técnica, numa história de dimensões épicas, que os artilheiros fazem de narradores, das suas façanhas enquanto actores heróicos de uma epopeia em curso.
O co-piloto não os poupa depois das visitas – Xiii…havia de ser comigo….Visitinhas e tudo….ahhh!!  Que lindinho… – afirma em tom jocoso.
A sua namorada (que pela sua beleza alcunhamos de Pin-up, sem que ele saiba,  ) nunca pôs um pé dentro da base. Às vezes pacientemente espera pelo co-piloto junto à porta de armas.
Cerca de 1,50 de altura, de cigarro ao canto da boca, farda indicadora de uma velhice no posto, com alguma falta de atavio consentida, assim é o nosso co-piloto.
Não dá muita importância ao que a sua Pin-up diz e faz.
E se ela se der mal- Azar!! – Há sempre mais à espera – Como sempre diz.
Mas apesar da sua atitude, assim que algum olhar mais intenso cai sobre a sua dama, rapidamente vai dos 0 aos 100, rapidamente solta a língua, procurando uma justificação junto do “sedutor de ocasião” enquanto lança olhares encharcados de indignação, para a sua Pin-up, que de imediato, devia ter posto termo a esse momento.
Despreocupado, recebeu convocatórias para exames médicos, para renovação da sua caderneta de voo.

Há cerca de dois meses que as papeladas para os exames médicos repousam na sua mesa de cabeceira, há uns dias chamei-lhe a atenção para isso.
- Ponham-me em terra se quiserem…não quero saber disso – não têm pessoal para voar…agora ainda vêm com a treta de exames…se estivesse doente ia ao médico !!
Achas que os médicos não têm que fazer que basta?? Deixem-se mas é de tretas. – A sua resposta, no seu tom próprio, algo chateado com o tema.
O seu caracter é único. Um destes dias agarramos os dois num pequeno bimotor de transporte, de caminho a uma base buscar algumas peças, canibalizadas de outras aeronaves.

Não tínhamos muito combustível – a viagem era para perto, mas de surpresa surge-nos vento frontal bastante intenso.
Com o indicador de combustível quase no zero, sinto um dos motores falhar, indicação que o combustível estava esgotado.

- Estamos tramados!! – O pessoal lá da base precisa destas peças para as aeronaves que amanhã partem em missão. Ainda por cima, esta base a que temos que ir é no meio do nada…
- Vais ver que aguenta e chegamos lá. Afirma o co-piloto de modo imperturbado.
- Lentamente a distância vai sendo vencida; Sobrevoamos campos agrícolas mergulhados na mais absoluta escuridão; Aterrar de emergência por aqui não vai ser nada fácil.
Inversamente proporcional ao combustível a bordo, é a tensão que o momento se vai carregando.
Um vôo (que pelas suas características, apelidaria de doméstico e vulgar) está a revelar-se uma surpresa…tipo duma missão de alto risco…  

Avistamos as luzes da pista, Alinhados com o topo da pista, segue-se um pouso fácil, directos ao Spot.

Carregamos as peças das aeronaves, vejo o co-piloto a falar com o pessoal responsável pelo reabastecimento do bimotor, a tempo de ouvir  - coloque só 2500 libras – Dá para chegarmos ao destino.

Pensei que era anedota, que estava a gozar comigo. Mas não era.
Apesar de me ter visto, segundo as suas próprias palavras, branco como a cal, aquando da aterragem, quer agora voar de regresso com o mínimo de combustível.

5000 libras de combustível !! Nem uma gota a menos !!! - Afirmo categoricamente sem margem para duvidas – Por hoje já me basta!!
Do plano de missões, só lhe chamam a atenção (e confesso que a mim também) as que aumentam a exigência numa dificuldade crescente – ou melhor, numa espiral sempre crescente que não compreendemos a razão.
 
Se os artilheiros de Bombordo e Estibordo já embarcam neste sentimento, o navegador e o artilheiro de caudal preferem as sessões de pancadaria entre si, na camarata, com alguma assistência, tipo combate de boxe, mas sem que a chefia nada saiba de modo a evitar participações.

Quando aparecem com um sobrolho inchado – afirmam à chefia que foi uma porta…ou algo assim…já ouviram qualquer coisa do género….”Parece que as portas andam sempre atrás de vocês…isso têm que ser averiguado”

O esforço da guerra tem tido uma mão pesada sobre todos, militares e civis.
A população na sua generalidade está empurrada para o limiar da sobrevivência, por um conjunto de políticos (esses sim, os causadores das guerras, mas que covardemente se distanciam do esforço que pedem a todos)

- Só exigem esforço atrás de esforço.

Em risco de provocarem a desmotivação generalizada, continuam no caminho que traçaram, sem terem em conta a realidade vivida – Sofrem afinal do mesmo mal com que se identifica o inimigo; razão de ser desta guerra, um fanatismo cego, indiferente a absolutamente tudo e todos.
A penúria é tal que as aeronaves voam abaixo do mínimo da manutenção requerida.

Tal como os aviões comerciais em tempo de paz, pedem-nos que utilizemos o “jet stream” de modo a poupar combustível o mais possível – algo a que o co-piloto está sempre muito atento.

Assim que aumento o regime dos motores, rapidamente se inquieta, temendo aumentar os consumos e com isso ver diminuídas as senhas de racionamento, que são distribuídas tal prémio, pelas tripulações que consigam a melhor economia de combustível.

E no caso do co-piloto sempre se traduz nuns maços de tabaco extra, com os quais brinda assim os seus castigados pulmões.
O nosso comandante de esquadra, foi promovido, agora é general. Conhecedor do dia a dia das suas tripulações pode agora fazer a diferença junto do alto comando.

Mas como nos confessou em tom de desabafo : Não esperem grandes mudanças…
E assim continuamos, até a próxima surtida.


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